Entropia, Espontaneidade e Equilíbrio
Vamos supor que um sistema ainda não tenha atingido o equilíbrio, isto é, ainda existem reações químicas, mudanças de fase ou qualquer processo que precisa evoluir espontaneamente para um equilíbrio. O que governa esse processo espontâneo é a maximização de (). Quando essa soma atinge seu valor máximo, o sistema entra em equilíbrio, de modo que, a partir deste momento, nenhum processo parece continuar ocorrendo (apesar de sabermos que o equilíbrio é microscopicamente dinâmico).
Quando esse equilíbrio é atingido, qualquer processo que tente ocorrer irá diminuir , o que é proibido pela segunda lei. A única forma de alterar o sistema a partir desse ponto é de forma infinitesimal, ou seja, variando tão pouco uma dada propriedade que, a qualquer momento, você pode mudar a direção do processo. Esse processo reversível é um processo apenas idealizado, mas, se ocorrer, irá levar o sistema até um ponto muito próximo ao de entropia máxima. Para este processo:
(1)
Para processos irreversíveis, infelizmente não podemos usar a razão para calcular . Isso ocorre porque o caráter irreversível traz contribuições adicionais de entropia que são muito difíceis de contabilizar. Essa parcela adicional à (devido à irreversibilidade) é a razão da desigualdade de Clausius (equação 2).
(2)
Onde a igualdade é válida apenas para processos reversíveis e o sinal de maior é para processos irreversíveis. Da primeira lei:
Da desigualdade de Clausius, e a equação acima se torna:
Onde o sinal de igualdade só se aplica ao equilíbrio () e o de desigualdade, ao processo irreversível ().
A Energia Livre de Helmholtz
Vamos discutir, primeiramente, espontaneidade e equilíbrio para sistemas mantidos em e constantes. A equação que obtivemos () pode ser reescrita como:
Podemos fazer surgir a diferencial somando e subtraindo do lado direito:
Pela regra da cadeia: . Assim, a equação acima pode ser reescrita como:
Como estamos lidando com sistemas mantidos a e fixos, temos que e e:
Essa equação significa que um processo espontâneo que ocorre em um sistema mantido a e fixos sempre minimiza a coleção a combinação ““. Para sistemas em equilíbrio, é um mínimo e qualquer processo adicional será não espontâneo, diminuindo a entropia total. Essa função é conhecida como a energia livre de Helmhtolz, definida como na equação 3.
(3)
A Energia Livre de Gibbs ()
Vamos considerar agora um sistema mantido a e constantes ( e nulos). Vimos que:
Para introduzir e , completamos a expressão da regra da cadeia de e , adicionando e subtraindo e :
Aplicando a condição de e serem mantidos constantes:
Mais uma vez o sinal de igualdade é para processos reversíveis e o de desigualdade vale para processos irreversíveis. Dessa forma, parece ser a coleção de funções de estado que governa espontaneidade e equilíbrio em sistemas mantidos a e constantes. Essa coleção é uma nova função de estado: a energia livre de Gibbs (definido na equação 4), que precisa atingir um mínimo em processos espontâneos.
(4)
Aqui vale uma pequena pausa para colocar as ideias no lugar. O descritor de espontaneidade e equilíbrio é sempre a entropia total (sua maximização). Como ela contabiliza quantidades relacionadas às vizinhanças, definimos duas novas funções de estado ( e ) do sistema, que, em condições especiais, fazem a mesma coisa que , ou seja, descrevem espontaneidade e equilíbrio, mas sem precisarmos olhar para as vizinhanças e sim para ou do sistema.
Mas cuidado. Você só pode usar para descrever espontaneidade e equilíbrio em sistemas mantidos a e fixos. Similarmente, você só pode usar para tal se o sistema estiver a e fixos. Se nenhuma dessas condições for verdadeira, volte sempre ao “lar” e use , válida para qualquer situação (lidar com as vizinhanças agora é a dificuldade). Mas não desanime, as condições constantes e constantes são bem comuns em química. A segunda é ainda mais comum, pois reações feitas em recipientes abertos (submetidos à pressão atmosférica) e com pouca variação de temperatura são descritas em termos de .
Os gráficos abaixo mostram a evolução de e ao longo de um processo espontâneo e irreversível (minimização da energia livre) até atingir o equilíbrio (mínimo da energia livre), onde passa a ser reversível pela variação infinitesimal de alguma propriedade.
É importante enfatizar que qualquer sistema possui e , e não apenas aqueles mantidos a e fixos. Porém, eles só são descritores de espontaneidade e equilíbrio nessas condições citadas. Outro ponto que merece destaque é que a primeira lei estabelece uma conservação de energia, ou seja, precisa ser sempre constante (mesmo que haja troca de calor ou realização de trabalho). Apesar de e terem unidades de energia (, no S.I.), elas não precisam ser conservadas, ou seja, e não precisam ser constantes.
A temperatura figura nas equações de e e, como as condições citadas ( e fixos) contém , vale a pena citar a variação de e em temperatura constante (). Para :
Para :
Como citado anteriormente, usar ou ( fixos) fornece discussões equivalentes, então deve existir uma relação matemática entre e .
Ou, macroscopicamente:
Semelhantemente:
Macroscopicamente:
Nomenclatura
Vimos que:
O lado esquerdo é conhecido (, para fixo).
Para processos reversíveis (onde o trabalho é máximo), vale o sinal de igualdade, então:
O significado deste expressão é que a variação da energia de Helmholtz é o trabalho máximo e esta é a razão de ser chamado de função trabalho.
Para :
Porém, e:
Se o processo ocorrer a e constante:
Esse trabalho pode ser separado nas contribuições de expansão () e de não expansão (). Assim:
A equação acima significa que a variação da energia livre de Gibbs é o trabalho máximo de não expansão sob e constantes. Esse tipo de trabalho é últil em pilhas, por exemplo, que funcionam em e constantes, realizando trabalho elétrico (de não expansão). Outro contexto, é o trabalho realizado pelo corpo humano em suas atividades diárias (andar, correr, levantar peso, …). Neste caso, é útil calcular o da reação global do ciclo de Krebs, associada ao consumo de glicose no corpo humano.
Energia de Gibbs Molar Padrão de Reação ()
Assim como fizemos para a entalpia de uma reação, a energia de Gibbs padrão de reação é a variação da energia de Gibbs da transformação de reagentes a em produtos a .
é a energia de Gibbs de de uma substância, a . Essa grandeza é difícil de determinar experimentalmente, pois seria necessário medir a energia interna do sistema (), que é uma soma de contribuições de energia cinética e potencial de todas as do sistema.
Assim como fizemos para a entalpia, usaremos aqui a energia de Gibbs padrão de formação (), associada à variação da energia de Gibbs da transformação de substâncias simples, na sua forma de referência e a , em do composto puro e a . A tabela abaixo mostra as energia de Gibbs de formação de algumas substâncias.
Composto | |
Assim, podemos determinar o de qualquer reação usando o fato de que é uma função de estado. No lugar de usar o processo original, mudaremos o caminho para:
A soma desses dois processos resultará em , que é a conhecida expressão “Produtos – Reagentes”, escrita de maneira mais formal como:
Para finalizar, assim como foi feito para a entalpia, a energia de Gibbs padrão de formação de íons é determinada escolhendo um íon de referência (o ) na fase aquosa. Assim:
Exercícios
Questão 1)
Dados os dados abaixo (todos em ), calcule a energia de Gibbs padrão nessa mesma temperatura para a reação equacionada por:
Resposta
Resolução
Questão 2)
Calcule a energia padrão de Gibbs para a reação equacionada por a .
Resposta
Resolução
Questão 3)
A entalpia padrão de combustão de etanoato de etila líquido (acetato de etila, ) é de a e sua entropia molar padrão é de . Calcule a energia padrão de Gibbs de formação do composto em usando os dados fornecidos nas tabelas abaixo (todos em ).
Resposta
Resolução
Questão 4)
O tipo de biomolécula que, ao ser digerida, produz mais energia são os carboidratos. A Sociedade Brasileira de Nutrição recomenda a ingestão diária de de glicose por quilograma de peso corporal. Suponha que uma pessoa de ingira o triplo da quantidade de glicose recomendada e que, para manter as atividades físicas diárias, essa pessoa precise de de trabalho muscular. Quanto de energia sobrará?
Substância | |
Gás carbônico | |
Água líquida | |
Glicose |
Resposta
(irreal).
Resolução
Questão 5)
Considere que de gás nitrogênio (comportamento ideal) possa sofrer expansão de um volume inicial de para um volume final de das seguintes formas:
(a) livre.
(b) contra uma pressão externa constante de .
(c) isotermicamente (), contra uma pressão externa variável, que se ajusta à pressão interna para manter a reversibilidade.
Calcule o trabalho de expansão em cada caso e a variação da energia livre de Helmholtz da expansão descrita na letra (c).
Resposta
(a)
(b)
(c)
Resolução
Questão 6)
Em células biológicas, a energia liberada pela oxidação dos alimentos é armazenada em trifosfato de adenosina (ATP ou ). A essência da ação do ATP é sua capacidade de perder seu grupo fosfato terminal por hidrólise e formar difosfato de adenosina (ADP ou ):
Em e , a entalpia e a energia livre de Gibbs de hidrólise são e , respectivamente. Nessas condições, a hidrólise de de resulta na extração de até de energia que pode ser usada para trabalhos não-expansivos, como a síntese de proteínas a partir de aminoácidos, contração muscular e ativação de circuitos neuronais em nosso cérebro.
(a) Calcule e explique o sinal da entropia de hidrólise de ATP em e .
(b) Suponha que o raio de uma célula biológica típica seja e que dentro dela moléculas de ATP são hidrolisadas a cada segundo. Qual é a densidade de potência da célula em watts por metro cúbico?
(c) Uma bateria de computador fornece cerca de e tem um volume de . Quantas células biológicas são necessárias para gerar uma densidade de energia igual ao da bateria de computador?
(d) A formação de glutamina a partir de glutamato e íons amônio exige de entrada de energia como trabalho. É conduzida pela hidrólise de ATP a ADP mediada pela enzima glutamina sintetase. Quantos mols de ATP devem ser hidrolisados para formar de glutamina?
Resposta
(a)
(b)
(c)
(d)
Resolução
Correção no vídeo. A unidade de entropia é